As Sete Regras

09 maio, 2006

3º capitulo

Já tinham passado algumas horas e estava quase na hora de almoço. A luz, entretanto, tinha aumentado muito e ninguém se deslocava no escritório, cegos pela luminosidade intensa.
Eu estava sentado na minha sala e tantava tapar os olhos com as mãos, mas a luz era tão forte que ainda me incomodava e mesmo com as pálpebras fechadas conseguia ver os contornos dos meus ossos das mãos. A situação era desesperante, o facto de estar parado e sentado sem me mover, com medo de embater em alguma coisa era agravado pelo facto de estar, literalmente, a ver os meus ossos. Ainda assim não ousava tirar as mãos da cara e enfentrar o aumento de claridade.
João procurou a minha companhia há um par de horas e estava sentado do outro lado da secretária. Com menos pudor, tinha resolvido tirar a camisa e usá-la como venda, eu estava quase a perder a vergonha e fazer o mesmo. Parece que era uma solução melhor que utilizar as mãos, não tinha o espectro assustador dos ossos e as várias dobras de pano tapavam melhor que pele e carne nuas.
- Então, já tiraste a camisa? - perguntou-me.
- Ainda não.
- Mas quem é que achas que vai estar a olhar para ti? Ninguém consegue abrir os olhos.
Ele tinha razão, mas ainda não estava convencido. Desde que tinhamos saido da universidade e eu tinha parado de fazer desporto tinha engordado uns quilos e paranoicamente continuava a preferir olhar para os meus metacarpos e companhia a pensar que podia haver alguém de olhos abertos para julgar a minha recente falta de forma.
Começamos a ouvir uma buzina ao longe, era um barulho estranho na altura, há já umas horas que tudo estava silênciosos, sem carros ou qualquer barulho de pessoas a deslocar-se, apenas algumas vozes e uns gritos mais estéricos que entretanto tinham parado.
O som da buzina aproximava-se e pensei no maluco que estaria a conduzir agora, não deveria durar muito. Fiquei à espera do estrondo do carro a esbarrar contra alguma coisa.
Ouvi uma travagem mesmo ao lado do prédio, estavamos num segundo andar e apesar da preciana fechada o vidro da janela tinha ficado aberto. A certa altura já não pereceu ter qualquer importância ter um vidro transparente fechado. João fez um pequeno som de espanto quando ouviu um grito na rua:
- Paulo! João!
- É a voz do Pardal! - levantou-se depressa João. - tenho a certeza. E num reflexo virou-se e dirigiu-se para a porta. Levantei-me também, mais preocupado com o percurso de João do que com a voz vinda do exterior, mas também me pareceu o Pardal.
Antes que conseguisse expressar o meu cuidado ouvi o que, imediatamente, identifiquei como a pancada de João contra alguma coisa, seguido do baque seco do seu traseiro no chão.
- Estás bem? - perguntei.
- Estou. Estás onde?
- Aqui. no mesmo sítio. - Tinha tirado as mão dos olhos e apesar da dor conseguia ver algumas sombras, móveis, paredes e pessoas, uma delas avançava a direito para a minha porta.
Andei para trás até chocar com a parede, os olhos ardiam-me e lacrimejava muito, mas tentava abri-los o suficiente para perceber como alguém não esbarrava em nada e conseguia avançar tão depressa.
- João! Vem para aqui depressa.
Consegui ver que ele já gatinhava na direção da minha voz. Apesar de não ver nada com a venda, o silêncio permitia ouvir perfeitamente os passos na nossa direção.
Assim que se aproximou de mim, baixei-me tentei agarrar-lhe a camisa. Tinha-me esquecido completamente que a tinha tirado para usar como venda e estava em tronco nu. Demorei um segundo a perceber e fiquei a arranhar as suas costas, à procura do tecido.
- Vocês não perdem uma oportunidade. Assim que pensam que ninguém está a ver começam logo com isso.
- Pardal? - Dissemos em coro.
- Aposto que não estavam à minha espera.
- Pardal?! - Repetimos.